No último sábado de maio, a SpaceX, um dos empreendimentos do bilionário sul-africano Elon Musk, fez história ao se tornar a primeira empresa privada do mundo a realizar o lançamento de um foguete tripulado. A missão, em parceria com a NASA, a agência espacial americana, mandou os astronautas Douglas O. Hurley e Robert L. Behnken para a Estação Espacial Internacional, laboratório em órbita que é projeto conjunto de agências espaciais do mundo todo.
Este foi mais um passo da SpaceX rumo às aspirações megalomaníacas de seu criador que pretende criar uma colônia humana em Marte. Musk argumenta que o futuro da humanidade não está na Terra, e sim em outros planetas. Mas antes da criação da colônia, o bilionário possui uma meta um pouco menos audaciosa. Em 2021, já no ano que vem, a SpaceX pretende mandar três turistas para uma viagem à Estação Espacial Internacional.
Por mais que todas estas pretensões de Elon Musk figurem arrogância, a trajetória da SpaceX mostra que os planos da empresa são perfeitamente alcançáveis. A SpaceX foi criada por Musk em 2002, com o propósito de desenvolver foguetes relativamente acessíveis. Uma parte significativa do valor de uma missão espacial se dá pelo fato de que os foguetes, até então, só podiam ser usados uma única vez. Para eliminar esse fator, a SpaceX começou a pesquisar e desenvolver tecnologias de foguetes reutilizáveis, de modo a tornar viável economicamente o turismo espacial.
Entre falhas e acertos no caminho, em dezembro de 2015, a empresa lançou a versão v1.2 do modelo Falcon 9 que contava com um sistema robusto de automação, munido de dezenas de sensores dos mais diversos tipos, capazes de trazer o foguete de volta à Terra após se separar da nave. O pouso é feito com a queima calculada de combustível, que controla a velocidade e faz o foguete pousar. As imagens do retorno dos foguetes, que podem ser vistas abaixo, fizeram cair o queixo de qualquer Engenheiro ou amante de tecnologias aeroespaciais.
Voltando ao dia 30 de maio de 2020, data do feito histórico mais recente da SpaceX, é quase impossível não refletir sobre a viagem dos astronautas Hurley e Behnken para a Estação Espacial Internacional, à 408 km de distância da superfície terrestre, num momento em que grande parte da população mundial está recolhida em casa, insegura de caminhar até a esquina. Ironias à parte, esta reflexão mostra-se importante no momento de identificar os setores mundiais de tecnologia que conquistaram maior evolução, normalmente para onde foram destinados maiores recursos e esforços.
É inegável o avanço tecnológico conquistado pela humanidade no setor aeroespacial no último século. Santos Dumont voou com o 14-Bis em 1906 e o homem pisou na Lua em 1969, culminando com as realizações protagonizadas pela SpaceX nas duas últimas décadas. Mas é especialmente hoje, que todo este avanço aeroespacial contrasta com o despreparo com que encaramos uma nova pandemia causada por vírus, cujos efeitos já são comparados aos da gripe espanhola, ocorrida há pouco mais de um século. Não se pode, de forma alguma, negar os avanços obtidos no último século pela epidemiologia e farmacologia quanto ao tratamento de doenças infecciosas.
Mas a resposta a uma pandemia exige da humanidade ações que ultrapassam os ramos da medicina e alcançam a política, a sociologia, a psicologia, a economia, dentre várias outras áreas do conhecimento. A ausência de protocolos de ação robustos e abrangentes, a falta de ações coordenadas entre governos, mudanças repentinas nas recomendações de prevenção ao contágio, e claro, a precariedade dos serviços de saúde pública em muitos países, mostraram que definitivamente a humanidade não se preparou de forma adequada para esta situação atual. E não foi por falta de aviso. Muitas outras epidemias, com diferentes graus de contágio e letalidade, ocorreram ao longo dos anos, dando a chance à humanidade de aprender e se preparar para algo mais sério.
Logo no início da pandemia de Covid-19, viralizou nas redes sociais o vídeo de outro bilionário, desta vez Bill Gates, em uma conferência TED em Vancouver ocorrida em 2015, na qual ele alertava para o risco que a humanidade corria no caso de ser acometida por um novo vírus. “Se alguma coisa for capaz de matar mais de 10 milhões de pessoas nas próximas décadas, é provável que seja um vírus altamente infeccioso, e não uma guerra”, disse ele à plateia. Apesar da cobertura da mídia à época, não foi dada a devida importância ao tema, mas agora que estamos vivendo a pandemia de coronavírus, o vídeo dessa palestra já foi visto mais de 64 milhões de vezes:
Naquele momento, há cinco anos atrás, o bilionário americano já alertava para a falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento nessa área, até então, considerada não prioridade tecnológica.
Longe de criticar os altos investimentos no setor aeroespacial, pois sabemos que muitas criações e descobertas da vida cotidiana surgiram de pesquisas feitas nesse setor, cabe aqui ao menos uma reflexão. Quais deveriam ser as prioridades da humanidade no momento de investir em desenvolvimento tecnológico? Quais áreas de conhecimento ainda são negligenciadas pela humanidade, mesmo com grande risco potencial de produzir catástrofes? Não é necessário pensar muito para se lembrar que as mudanças climáticas recentes têm como forte aliado a insistência no uso de combustíveis fósseis não renováveis, ou que a poluição de mananciais impede que 1,1 bilhão de pessoas tenha acesso à água potável. É chegada a hora da humanidade se questionar sobre suas prioridades e dedicar-se a evoluir tecnologicamente em áreas urgentes, eliminando contradições. Depois, não vale dizer que não fomos avisados.