Não é novidade dizer que a humanidade sempre buscou inspiração na natureza para resolver seus problemas, dos mais simples aos mais complexos. Parece razoável afirmar que a pedra esculpida pelos índios, recebeu aquele design inspirado nos dentes de animais, a partir do momento que foi preciso uma ferramenta para cortar e triturar alimentos em maior escala. Ou que os pescadores buscaram na teia de aranha, a sugestão para tornar seu ofício mais eficiente por meio de uma rede, capaz de capturar peixes ao invés de insetos. Outro exemplo mais recente, já no século XX, do engenheiro George de Mestral que desenvolveu o famoso velcro a partir da observação no microscópio, dos filamentos entrelaçados com ganchos nas pontas, presentes na superfície dos carrapichos, que se prendiam nos pelos de seu cão.
Em 2018, os então estudantes de Engenharia Mecânica da Newton, Fabrício Hermont e Marcus Paulo Araújo, realizaram um interessante trabalho de conclusão de curso, no qual avaliaram diferentes métodos para alívio de tensões em elementos de máquinas com algum tipo de entalhe. São chamados entalhes, quaisquer descontinuidades repentinas no formato de peças mecânicas. A importância deste estudo está no fato de serem estes entalhes, a origem de grande parte das falhas mecânicas por fadiga dos materiais. O método comumente utilizado para alívio de tensões em entalhes de componentes mecânicos é denominado raio fixo. Porém, o trabalho dos alunos mostrou por meio de análise numérica, que o método de entalhe de raio variável, proposto pelo pesquisador Claus G. Mattheck em 2006 e baseado na observação da geometria dos galhos de árvores, promove uma significativa redução das tensões localizadas na região dos entalhes e, desta forma, garante melhor integridade estrutural das árvores. Mattheck observou que os materiais orgânicos crescem onde a tensão se concentra na estrutura de uma árvore, e então propôs a aplicação deste conceito da natureza nas estruturas mecânicas, o que foi validado pelo trabalho dos agora engenheiros mecânicos.
O que muitos não sabem é que este conceito de design tendo a natureza como inspiração tem um nome: Biomimética (bio = vida + mimesis = imitação). O termo surgiu em 1950, com o acadêmico norte-americano Otto Schmitt, mas se popularizou a partir de 1997 por meio de sua maior expoente, a bióloga e cientista Janine Benyus, autora do livro “Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza”. A cientista transformou aquilo que era “apenas” uma inspiração em uma metodologia sistêmica para resolver problemas relacionados à engenharia, arquitetura, design de produtos, mobilidade, energia limpa e sustentável, etc. Na defesa do método, a autora argumenta que em 3,8 bilhões de anos de evolução, a vida na terra precisou aprender a produzir soluções eficientes e baratas, e fez isso com maestria dentro de um cenário extremamente complexo e muitas vezes desafiador.
Mas o conceito da biomimética vai ainda além de olhar para a natureza como modelo inspirador aos nossos projetos. Com o método, é possível encontrar soluções eficazes e eficientes que sejam também sustentáveis. Isto porque, na natureza, os organismos utilizam apenas a energia que necessitam, trabalham muitas vezes em cooperação, não esgotam os recursos e, ao descartar aquilo que não precisam mais, este rejeito vira adubo, o que realimenta o ecossistema. É um exemplo perfeito de consumo consciente num cenário de economia circular, no qual os produtos devem ter um ciclo completo, sem desperdícios. Outro ponto ressaltado por Benyus em uma de suas palestras no TED Talks, é que no conceito da biomimética, a natureza deve ser consultada e não domesticada. Utilizar bactérias para auxiliar na limpeza da água é considerada uma tecnologia bioassistida, isto é, usar um organismo com o propósito de fazer o tratamento de águas residuais. Isto é diferente de se apropriar da ideia por trás do metabolismo de um organismo e depois aplicá-la em um outro cenário, conforme prega a biomimética.
Já são muitas as tecnologias desenvolvidas recentemente tendo como base o conceito da biomimética. A empresa australiana SolarSailor se inspirou nas asas da libélula – que capturam radiação solar para aquecer seu corpo além de permitirem o vôo do inseto – para projetar o teto de embarcações na forma de asas capazes de capturar duas formas de energia, a solar e a eólica, dependendo de qual recurso estiver mais abundante no momento. Com esta tecnologia, a SolarSailor promete até 50% de economia de combustível nas embarcações. A empresa NBD Nano, inspirada pelo besouro da Namíbia, anunciou que está produzindo protótipos de uma garrafa que consegue extrair água do ar e armazenar mais de 3 litros por hora, reproduzindo o princípio de hidratação do inseto que sobrevive em uma das regiões mais áridas do planeta. Além de inúmeros outros exemplos como os uniformes militares que se camuflam como camaleões e lulas; tintas que copiam o princípio autolimpante das asas da borboleta seda-azul; tecidos, metais e para-brisas que repelem a água e a sujeira como as folhas do lótus, a aerodinâmica do trem bala japonês inspirada no bico do martim-pescador; o concreto produzido a partir do CO2 extraído do ar, num processo semelhante àquele que dá origem aos corais; o conforto térmico obtido em grandes edifícios, imitando o modo de refrigeração dos cupinzeiros; dentre vários outros. Vários destes desenvolvimentos estão sendo catalogados, com acesso livre para consulta no site asknature.org. A já citada teia de aranha que supostamente influenciou a criação das redes de pesca no passado, atualmente inspira a criação de coletes à prova de balas e a produção de vidros para fachadas de arranha-céus, com fibras que refletem a luz ultravioleta para evitar a morte de centenas de pássaros que se chocam contra os prédios.
No entanto, é interessante observar que nem sempre a solução mais eficiente e eficaz adotada pela natureza, é aquela mais viável de ser implementada pelo homem. Leonardo Da Vinci há mais de cinco séculos já desenhava esboços de máquinas voadoras com base na observação da anatomia e do voo dos pássaros, mas aquilo era complexo demais para ser implementado no contexto tecnológico da época. As soluções encontradas que efetivamente fizeram o homem voar séculos mais tarde, acabaram sendo implementadas seguindo outras formas de pensar. Outro exemplo seria a robótica, que no seu início, insistiu no desenvolvimento dos autômatos (mecanismos com formas e características similares a humanos), mas só evoluiu para uma maior aplicação da tecnologia quando migrou para outros conceitos, mais distantes das formas humanas. Somente hoje, com o avanço tecnológico em várias áreas da engenharia, os robôs com contornos humanos voltaram a ser concebidos.
A biomimética vem ganhando espaço no mundo todo, e não só na criação de produtos ou desenvolvimento de projetos, mas também em áreas como gestão estratégica de negócios. Interpretar as organizações como ecossistemas complexos, tal qual aqueles encontrados na natureza, pode auxiliar os gestores a encontrarem modelos de negócio inovadores, trabalhar as competências dos colaboradores ou simplesmente resolver problemas do dia a dia corporativo. Para se ter uma noção do tamanho da influência da biomimética no mundo dos negócios atualmente, segundo matéria da revista Você S/A de dezembro de 2019, “um estudo da Universidade Nazarena de Point Loma, na Califórnia, estimou que a disciplina deverá representar 300 bilhões de dólares no PIB dos Estados Unidos e gerar 1,6 milhão de empregos no país até 2025”, lembrando que esta estimativa foi realizada num contexto pré-pandemia.
Diante deste enorme potencial da biomimética, seria uma ingenuidade humana (para não dizer presunção) achar que pode fazer melhor, nos momentos que precisa resolver questões complicadas, sem sequer consultar a experiência adquirida pela natureza durante estes bilhões de anos. Nas palavras de Jamie Miller, em palestra do TEDx: “Estamos tão fascinados com a nossa própria tecnologia que esquecemos que, fora disso, existe um mundo que está se desenvolvendo há bilhões de anos”. Por isso, da próxima vez que for iniciar um projeto, precisar resolver um problema ou conceber um novo negócio, olhe para o lado. A resposta pode estar em uma simples teia de aranha.